Olá a todos! Infelizmente continuo à espera que o processo de registo do ISBN fique concluído, o que, segundo a editora, já não deve tardar. Tendo isto em conta, espero dentro em breve poder aqui anunciar a nova data de lançamento do livro bem como das apresentações ao público.
Para já deixo-vos com o segundo capítulo do livro. Até para a semana!
“O passado é a única realidade humana. Tudo o que é já foi.”
Anatole France
Enlil seguiu Roger para o interior do bunker que servira de casa ao erudito inglês durante vários anos.
– Cuidado com a cabeça – avisou Roger, enquanto se baixava para passar na entrada da sua antiga casa.
O jovem baixou-se e seguiu Roger.
Passado o estreito corredor de paredes de betão, Roger e Enlil entraram no bunker propriamente dito. A pequena sala onde Roger tivera a sua visão, encontrava-se exactamente igual a como ele a deixara há já quase um ano.
Apesar de não ser muito grande, o pequeno bunker tinha tudo o que era necessário para se viver com algum conforto.
Percorrendo lentamente a divisão com os olhos, Enlil começou a observar o ambiente que o rodeava. Todas as paredes estavam repletas de estantes de pinho cheias de livros, e conhecendo Roger como já o conhecia, Enlil era capaz de apostar que quase todos os livros eram sobre demónios ou sobre os Escolhidos.
Do lado direito do bunker, junto ao canto, estava uma larga cama encostada à parede e ao seu lado, uma mesinha de cabeceira. Era das poucas zonas do bunker em que a parede não estava tapada por estantes, revelando um padrão de tijolo. Ao fundo da cama estava ainda um largo guarda-fatos em pinho.
Do lado oposto do bunker, encontrava-se um pequeno balcão de cozinha, nele havia um forno, um lava-loiça, um micro-ondas e ainda um pequeno frigorífico.
No centro da divisão, encontrava-se uma mesa com algumas cadeiras, mesmo em frente a uma lareira. Tal como as estantes, a mesa e as cadeiras eram de pinho.
No lado esquerdo da lareira, havia o que parecia ser um pequeno bar, com algumas garrafas de whisky abertas, muito provavelmente as companheiras de Roger nas noites e dias que passara a pesquisar sobre os Escolhidos.
Do lado direito da lareira havia uma porta de madeira, que Enlil concluiu que devia conduzir à casa de banho.
– Tem aqui um belo esconderijo – comentou Enlil enquanto observava o que o rodeava.
– Obrigado – agradeceu Roger. – Se não te importas, eu tenho de arrumar umas coisas antes de os trabalhadores chegarem.
– Claro, esteja à vontade – declarou o jovem.
Roger e Enlil tinham contratado vários homens de uma localidade próxima, para ajudarem a carregar os pertences de Roger até ao pequeno avião em que tinham viajado.
Enquanto Roger empacotava alguns dos seus livros, Enlil deixou-se ficar na sala, circulando lentamente pela divisão, observando atentamente tudo o que o rodeava.
Há já quase uma semana que o jovem partira de Nouvelle Paris juntamente com Roger, e há já quase uma semana que não via Niki. Só durante a sua estadia fora da cidade e longe da rapariga, é que Enlil se apercebera da importância desta para ele. Começava a sentir a falta da jovem e ansiava pelo momento do reencontro. Contudo, eles não eram mais do que bons amigos, apesar de começar a desejar que fossem um pouco mais do que isso.
Foi então, que enquanto circulava pela pequena sala, Enlil reparou numa antiga fotografia que lhe chamou a atenção.
Era bastante claro que nela se encontrava Roger, mas não como o conhecia actualmente. Na fotografia devia ter uns vinte e cinco anos, usava o cabelo mais comprido e num negro bastante escuro. Mas o que chamou a atenção de Enlil, não foi tanto a fotografia de Roger, mas sim a mulher com quem estava de mãos dadas nesta.
A mulher devia ter também uns vinte e poucos anos, tinha uma pele muito branca e uns olhos azuis safira. Os seus cabelos negros chegavam-lhe quase até à cintura, e vestia um vestido púrpura que salientava as suas formas femininas.
– Acho que já tratei de tudo, assim que… – disse Roger enquanto se virava para Enlil, interrompendo o que ia a dizer quando viu o jovem com a fotografia nas mãos.
– Quem é ela? – perguntou Enlil inocentemente.
– A minha mulher – declarou Roger enquanto se aproximava do jovem lhe tirava a fotografia, deixando-se de seguida ficar parado a olhar contemplar esta.
– O que é que lhe aconteceu?
– Ela morreu num ataque de demónios – respondeu Roger. A sua voz transmitia a dor da sua perda. – Ela tinha apenas vinte e seis anos quando aconteceu… Estávamos à espera do nosso primeiro filho…
– Lamento, não fazia ideia… – disse Enlil, já arrependido de ter colocado aquela pergunta.
– Não faz mal – declarou Roger. – Foi a morte dela que me deu forças para procurar os Escolhidos. Além disso, o que aconteceu faz parte do passado, e não há nada que se possa fazer para o modificar.
– Lá isso e verdade – comentou Enlil.
– Agora o melhor é irmos lá para fora. Duvido que os trabalhadores encontrem a entrada sozinhos – sugeriu Roger.
– Parece uma boa ideia – concordou o jovem.
Nisto, Roger e Enlil saíram do bunker e ficaram à espera que os trabalhadores chegassem.
Eram quase nove horas da manhã, e no ar circulava uma breve brisa matinal. Mais uma vez, Enlil ficou por breves momentos a contemplar a beleza daquele monumento chamado Stonehenge. O jovem não se cansava de o observar, e compreendia cada vez melhor a razão pela qual Roger decidira viver ali. A calma que o local transmitia era única.
Enquanto esperava, Enlil deitou-se no chão à sobra de uma das gigantescas pedras do monumento e dormitou um pouco.
***
Era meio-dia quando Enlil acordou. Sentado numa rocha ali perto, encontrava-se Roger. Não havia um único sinal dos trabalhadores.
– Eles ainda não chegaram?! – perguntou Enlil, que entretanto se tinha levantado e sentado ao lado de Roger.
– Não, e começo a ficar preocupado. Já deviam ter chegado há horas – declarou Roger.
– O que é que acha que lhes aconteceu?
– Bem, o mais provável e terem-se perdido.
– Ou talvez não – comentou Enlil, enquanto apontava para um velho camião que se dirigia lentamente para o local.
Passados uns dez minutos, o velho camião estava suficientemente próximo para se ver quem o conduzia, e para espanto de ambos, ninguém o fazia.
– Mas que raio?! – interrogou-se Roger, que não compreendia o que via.
O camião passou então pelos dois e não parou, indo embater contra uma das famosas pedras que faziam parte do monumento.
Enlil correu para o veículo que continuava a acelerar, apesar de ter embatido contra a rocha. Quando lá chegou, o jovem inspeccionou atentamente o velho camião. Este estava salpicado de sangue e havia várias marcas de estranhas garras.
– Onde é que estão os trabalhadores?! – perguntou Roger sem compreender o que se passava.
– Melhor dizendo, onde é que está o que resta dos trabalhadores – corrigiu Enlil, que entretanto tinha aberto a porta do condutor e retirado do seu interior uma cabeça humana, que estava segurar o pedal do acelerador.
Roger ficou petrificado ao olhar para a cabeça do homem que Enlil segurava pelos cabelos.
– A cabeça estava presa ao acelerador, por isso é que o camião não parou. Os trabalhadores foram atacados por um demónio – disse Enlil que atirou a cabeça a Roger, que após a apanhar, a deixou cair no chão com repugnância.
– Mas isso não é possível, é meio-dia! Os demónios não costumam atacar durante o dia, e desde a derrota de Lúcifer é raro ver um durante o dia! – protestou Roger.
– O sangue ainda está razoavelmente fresco, devem ter sido atacados há poucas horas – concluiu Enlil. – Eu vou ver se apanho o demónio que fez isto. Ele não pode estar muito longe. Você vem?
– Mas é claro que sim – respondeu Roger.
– Então suba – ordenou Enlil, que entretanto tinha montado a sua KTM verde que estava parada junto a uma das pedras do monumento.
Nisto, Roger subiu para a mota e agarrou-se bem ao jovem. Enlil arrancou então a toda a velocidade em direcção ao local de onde o camião tinha vindo.
Não foi preciso andar muito para os restos mortais dos trabalhadores surgirem no caminho. O jovem parou então a mota e foi com Roger examinar o que restava daqueles pobres homens.
– Alguma ideia do tipo de demónio que fez isto? – perguntou Enlil, enquanto Roger observava de perto o corpo de um dos trabalhadores.
– Não faço ideia. Mas uma coisa posso dizer, o que quer que tenha feito isto, além de possuir umas poderosas garras, também tem um bico bem afiado e forte.
– Como é que sabe isso?
– Vês estas marcas nos ossos? – questionou Roger, apontando para a cavidade torácica do que restava do homem. – Os ossos foram partidos por um poderoso bico, as marcas não deixam dúvidas.
– É sensação minha, ou a maior parte dos órgãos e carne desapareceu?
– Não, tens razão. Estes homens não foram simplesmente mortos, foram comidos, e muito provavelmente ainda estavam vivos quando isso aconteceu.
– Mas os corpos… No estado em que os corpos estão… Um demónio não conseguia comer cinco pessoas e ter tido tempo de se ir embora – declarou Enlil.
– Infelizmente creio que estamos a lidar com um bando de demónios bem grande. Não creio que tenha sido apenas um demónio – disse Roger.
– Mas desde que derrotamos Lúcifer que os demónios andam completamente desorganizados. Para um grupo fazer uma coisa destas tão rápido, tinha de estar bem organizado! – contrapôs o jovem.
– Isto não me está a agradar nada – comentou Roger com preocupação. – O melhor é irmos até à povoação mais próxima e avisarmos as pessoas.
– Parece-me um bom plano – concordou Enlil.
Nisto, os dois dirigiram-se de novo para a moto, quando de súbito, algo no chão chamou a atenção de Enlil.
– Roger, olhe! – exclamou o jovem enquanto apanhava qualquer coisa do solo, entregando-a de seguida a Roger.
– Uma pena de uma asa… Os sacanas voam! – declarou o inglês enquanto olhava para a pena negra como a noite.
– Nesse caso, sugiro que nos apressemos. A povoação fica perto. Se o caminho se faz depressa de mota, ainda se faz mais depressa a voar – afirmou o jovem.
Partindo então a toda a velocidade, os dois dirigiram-se o mais depressa possível para a pequena povoação. Se não se despachassem toda a população seria chacinada…
***
Não demorou muito até Roger e Enlil alcançarem a pequena povoação, mas foi o suficiente para encontrarem um rasto de destruição e de matança quando chegaram.
As várias casas-bunker da povoação estavam em chamas ou fumegavam intensamente. Pelo chão estavam espalhados os corpos dos habitantes, encontrando-se estes no mesmo estado que os dos trabalhadores.
No ar era possível sentir o cheiro a queimado.
– Acha que alguém sobreviveu? – perguntou Enlil.
– Gostava de acreditar que sim, mas tenho muitas dúvidas – respondeu Roger.
Os dois deixaram-se ficar então em silêncio a observar a paisagem de destruição e carnificina. Ao que tudo indicava, todos os bukers tinham sido atacados e incendiados. Ninguém parecia ter sobrevivido ao ataque.
Foi então, que um som abafado se fez ouvir por entre os destroços do que restava da povoação.
– Está a ouvir este ruído? – questionou o jovem.
– Sim. Parece o som de uma criança a chorar! Rápido! Temos de a encontrar!
– Deve estar presa nos destroços daquele bunker – declarou Enlil apontando para o que restava de uma das habitações. – O som parece vir de lá!
Nisto, Roger e Enlil apressaram-se a acorrer para o local. A entrada do bunker estava bloqueada por vários destroços, e foi preciso algum esforço para os dois conseguirem abrir caminho através destes.
Quando finalmente conseguiram descer, Roger e Enlil depararam-se com um cenário horripilante. No chão jaziam os corpos da família que outrora ali habitara, e a um canto, estava um rapaz com uns dez anos a chorar.
Roger apressou-se então a acudir o rapaz, pegando-lhe ao colo e saído com ele do bunker o mais depressa possível.
Enlil preparava-se para seguir Roger em direcção à saída, quando algo lhe chamou a atenção. Os corpos que se encontravam espalhados pelo chão, muito provavelmente a família do rapaz, não tinham sido devorados como os restantes.
Aqui está algo estranho, pensou o jovem enquanto se aproximava de um dos corpos para o observar melhor.
Ao contrário dos restantes corpos dos habitantes da povoação, aqueles não tinham marcas de garras nem de bicos, estavam completamente intactos. Apresentavam apenas o corpo chamuscado e os cabelos de forma estranha, como se tivessem sido atingidos por uma poderosa descarga de energia.